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quarta-feira, 11 de abril de 2012

Um Filme Delicioso

A mão que aperta o queijo - política e poética

A piada é velha, mas a ocasião é nova. Diz que o mineiro encontrou o gênio da garrafa e foi instado a fazer três pedidos. “Um queijo, uma mulher bonita e outro queijo”, ele pediu. O gênio estranhou: “Por que você pediu dois queijos e uma só mulher?”. Ao que o mineiro respondeu: “É que eu fiquei com vergonha de pedir três queijos”.

O traço de cultura que gerou esse tipo de anedota é o substrato do Filme: O Mineiro e o Queijo(veja o site e o trailer). Nos debates e apresentações que antecederam o lançamento, o foco quase sempre se concentrou na questão do queijo minas artesanal autêntico, fabricado em pequenas fazendas das serras das Gerais, e sobretudo na restrição que ainda existe a sua circulação nacional. Mas o filme do mineiro Helvécio Ratton tem sua identidade e sua simpatia calcadas no binômio do título. É tanto um filme sobre o queijo quanto sobre um certo modo de vida de quem o fabrica. Falar de mineiro e falar de queijo, aprendemos, no fundo é quase a mesma coisa.
O queijo conduz as rédeas do roteiro, mas quem dá as cartas são os queijeiros do interior, com sua prosódia peculiar, seu jeito amoroso de se referir ao queijo e chamar as vacas pelo nome, sua timidez bem-humorada. Do ponto de vista etnográfico, trata-se de um trabalho clássico. Fala das origens e da tradição do queijo artesanal, produzido por gerações sucessivas das mesmas famílias na Serra da Canastra e nas regiões do Serro e do Alto Paranaíba. Mostra em detalhes o processo de fabrico, da teta da vaca aos balcões do mercado. Discute as questões do comércio e o “imperialismo higiênico” que faz uma regra de inspiração americana dos anos 1950 prevalecer até hoje para impedir que o queijo artesanal mineiro seja vendido fora do estado. Legalmente, pelo menos, já que o trânsito clandestino e as intermediações são tolerados e quiçá estimulados.
Nesse sentido, O Mineiro e o Queijo se alinha a uma tendência contemporânea do documentarismo internacional, empenhada em valorizar a produção alimentícia local, orgânica e artesanal, em oposição aos gêneros industriais e ecologicamente não-sustentáveis. O americano Food Inc e o francês Soluções Locais para a Desordem Global são exemplos recentes. O queijo minas artesanal – não padronizado porque varia com o tempo, as temperaturas e até a pressão da mão de quem o fabrica (“aperta”), aparece aqui como uma reserva de personalidade e um reconhecido patrimônio cultural. As indústrias de laticínios seriam os grandes lobistas por trás das restrições à exportação doméstica do mineirinho, muito embora não pese nenhuma restrição à entrada de queijos similares vindos do exterior.
Helvécio Ratton não se interessou por ouvir os defensores da lei federal de 1952 (veja comentário do realizador),  o que representa um evidente partis-prisna retórica do doc. Afinal, a intenção é mesmo de exercer um papel político na discussão do assunto e na defesa dos artesãos. Mas não é por atender a essa função estratégica que o filme deixa de ser atraente como informação e divertimento. O caráter do mineiro profundo encanta e provoca um certo humor etnográfico. Eis uma categoria que pode soar politicamente incorreta, mas não é assim quando a graça brota da mais pura espontaneidade e de uma visão não preconceituosa. Os conterrâneos que Helvécio foi buscar nos ermos das Gerais, obcecados pelo “queijin” nosso de cada dia”, são gente que certamente gostaríamos de visitar. E visitar com mais calma e mais gosto do que é possível entrever pela câmera na mão e a montagem, mais preocupadas em informar do que em fazer sentir os ambientes. Ainda assim, para além das atribuições políticas e etnográficas, o filme é delicioso em muitos outros sentidos.

Aí vai uma fatia:




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